“A Inversão” parece o nome de um filme de terror ou ficção científica, mas na verdade é um termo que representa algo bem real e foi cunhado em 2013 pelos funcionários do Youtube.
Na época havia tantos cliques, visitas, e comentários feitos por bots se passando por pessoas que eles temiam que, se esse número continuasse a crescer e se tornasse a maioria, os algoritmos começariam a marcar conteúdos humanos fraudulentos, e bots como humanos.
Essa seria A Inversão.
Em termos numéricos, a Internet já possui muito mais bots que pessoas há anos, então nesse sentido A Inversão já ocorreu. Bilhões de dólares são perdidos por ano em cliques fraudulentos, números curtidas e seguidores são inflados por robôs.
Isso é consequência direta da “merdificação” (enshittification) da Internet, que expliquei em detalhes na edição passada aqui da Newsletter.
Mas o maior problema não é puramente a inversão numérica das curtidas e compartilhamentos, mas a inversão como um conceito geral, agora com superpoderes da inteligência artificial. Estamos a caminho de uma Internet em que a maioria do conteúdo que nos é apresentado terá sido feito automaticamente por IA, promovido por um algoritmo de IA, para nos encher de dopamina
A Internet está se tornando o universo de Stranger Things, mas os Demogorgons são bots que, ao invés de tentarem nos matar, tentam nos agradar, vender produtos da Shopee, e mudar a configuração geopolítica mundial. Detalhes.
Assim como na série, um ambiente extremamente hostil.
Tome como exemplo a startup Astral, que está criando uma IA que navega no seu browser, acessa sites como o Reddit e outras redes sociais, e faz comentários em posts “relevantes”. Tecnologia impressionante, mas o que acontece quando milhares de profissionais comecem a usá-la? Teremos bots conversando com bots.
Um fato curioso é que a Astral utiliza o browser - simulando um humano - exatamente para não conectar diretamente nas APIs dos sites (que é o caminho oficial) por serem muito limitadas. A ironia é que elas possuem limites exatamente para impedir esse tipo de abuso.
Ela é só uma de milhares de outras empresas criando “soluções” assim.
Um pouco de otimismo
Uma visão do inferno: milhares de bots no LinkedIn, criando milhões de posts por hora sobre “segredos que o [insira um evento aqui] pode nos ensinar sobre [insira uma profissão aqui]”.
Você sabe muito bem do tipo de post que estou falando, não sabe? Daquela pessoa que já quer compartilhar lições que vão “mudar a sua vida” depois de assistir a abertura do BBB, como isso é importante para o RH, ou marketing, ou compliance, sei lá.
Então, você gosta desse tipo de post? Provavelmente não, assim como os artigos clickbait de 10 anos atrás, do tipo “10 coisas que você não sabia sobre stranger things, a terceira vai te chocar”. Já estamos saturados e como foram adotados como hacks, eles levam em conta o formato muito mais do que o conteúdo.
Quando ficamos saturados de um formato, ele perde a eficiência, aí os “CriaDORes de COnTeÚdo” precisam achar o próximo para sugar até não sobrar nada. É o ciclo natural das redes sociais.
Mas com a IA podendo criar infinitos formatos, fazendo infinitos testes, em um prazo quase instantâneo, a saturação virá muito mais rápido, a ponto da criação desses conteúdos não valer mais a pena.
Aí poderemos respirar (um pouco mais) aliviados, pois o diferencial de não ter sido criado por IA não vai existir só para parecermos hippies, mas porque é o que irá trazer dinheiro para as redes sociais, produtores de conteúdo, etc. E é isso que importa pra eles.
Será que sou otimista demais?
Obrigado por ler até aqui, e na próxima edição eu juro, de dedinho, que trago o conteúdo sobre como se diferencia no mundo da IA, tema da minha palestra no RD Summit 2024.